Wednesday, December 16, 2015

O Derradeiro Porém

Enquanto folhas secas caíam
E se arrastava o velho verão
Agasalhando o cinzento burgo
Como se implorasse
Para que eu ficasse,
A fuga eu preparava
No incômodo da felicidade
Que entorpecia a realidade;
Demasiado feliz eu estava
Para permanecer
E demasiado eufórico
Para limitar-me
Às ébrias noites;
Enquanto eu me arrastava
Pelo tapete vermelho
Das sujas e vibrantes ruelas
Respirando toda a leveza
Do meu curado ego,
Acometia-me o teu vislumbre
Como um desafio,
Como uma utopia.
Ou como catarse.
Ou chave de ouro.
Buscar-te eu não fazia,
Mas sempre acontecia:
Os meandros da libertina cidade
A ti me levavam
E a provar da tentação
Me obrigavam,
Como se da minha partida
Fosses o derradeiro porém,
O desfecho,
O ato final;
Como se esta maldita cidade
- de encontros e desencontros -
Quem eu sempre desejava
Me revelasse,
Para ainda mais dramatizar
A minha insensata fuga.
E na noite da balada final,
Naquele ápice de liberdade,
De descomprometimento,
De ébria pureza,
Eu provei do teu mel
Que tanto me saciava
No paradoxo do teu terno semblante
E da tua selvagem dança,
E ali foi,
Naquela imunda sarjeta
Ofuscado pelo ruído
Das confrarias noturnas,
Que em ti
Me perdi
Que vi no elegante traçado
Da tua boca
O único foco
Da minha embriagada retina,
E precipitei-me
Para eternizar-te,
Para poesia tornar-te,
Para de ti roubar
O beijo que me negara a cidade
E então me concedia
Como chantagem
Para a ela prender-me.
Caso eu não partisse,
Pergunto-me como seria;
Em tantas noites que tive,
De tantos beijos insossos,
Se foi o melhor
Eu não sei,
Mas foi um gesto
De sinceridade
Que marca mais
Do que tatuagem.



English Version


The Last Though

While dry leaves were falling down
And dragged on the old summer
Tucking the gray town,
Begging me to stay,
I prepared my getaway
In the annoyance of happiness
That numbed the reality.
Too happy I was
To stay,
And too euphoric
To limit myself
To drunken nights;
As I dragged myself
Through the red carpet
Of dirty and vibrant streets
Breathing all the lightness
Of my cured ego,
Your glimpse assailed me
As a challenge,
As an utopia.
Or a catharsis.
An ending flourish.
I never tried to find you
But I always did;
The intricacies of the libertine town
Took me to you
And the temptation
I was obliged to taste,
As if from my departure
You were the last though,
The outcome,
The final act;
As if this cursed city
- of meetings and mismatches -
Revealed who I always desired,
To further dramatize
My foolish escape,
And in the night of the final ballad
At the apex of freedom,
Of disengagement,
Of drunken purity,
I tasted your honey
That sated me so much
In the paradox of your lovely countenance
And your wild dance,
And there was
In that filthy gutter
Obfuscated by the noise
Of the nightly brotherhood,
When in you
I lost myself,
When I saw in the elegant tracing
Of your lips
The only focus
Of my drunken eyes,
And I rushed me
To immortalize you,
To turn you into poetry,
To steal from you
The kiss that the city had denied me
And then finally gave me
As a blackmail
To keep me under control.
If I had not gone
I wonder what would goes on;
From so many nights I had,
Plenty of savourless kisses,
If it was the best
I do not know,
But it was a gesture
Of sincerity
That marks more
Than ink on the skin.

Monday, November 23, 2015

Verde é a Cor do Céu

Contemplei-te à mesa
Revestida de frieza
Cintilante e indiferente
Fazendo-me tão ausente

Precipitei-me por inteiro
Na palidez do teu semblante
E do vinho fiz-te o rubro
E a fervura do teu sangue

Porque eu senti no flagrante
A pulsação da tua alma
E no silêncio dos teus olhos
O suspiro que emanava

E foi nas noites ébrias
Entre garrafas partidas
E palavras amargas
Que roubei-te as amarras

E seguiste os atalhos
Que trilhavam meus passos
Cortejando o teu vulto
Ao meu jardim encantado

E na tua entrega voraz
Pela selvagem ternura
Rasgaste-me a pele
Na santa luxúria

No teu frio
Queimo-me
No teu não
Afirmo-me
Na poesia do teu beijo
Dispo-me por inteiro
No teu nome
Chamo-me
Na tua cama
Banho-me

Com a pureza da preguiça
Reclamo o direito de contemplar-te
Enquanto dia e noite se revezam
Enquanto o mundo se translada
Enquanto o sussurro inútil do trânsito
Dá ritmo ao nosso tão precioso silêncio
Enquanto meu cigarro triunfante queima
Eu, da minha varanda carcomida
Após sugar-te todo o mel
Revelo-me a mim mesmo
Que verde é a cor do céu

E ele eu alcancei
E dele eu caio agora
Porque das épicas quimeras
Há sempre alguém que vai embora


English Version


The Sky is Green

I gazed you at the table
Coated with the coldness
Sparkling and indifferent
Making me so absent

I entirely rushed down
In the pallor of your face
And with wine I blushed you up
And boiled your blood

Because I felt in flagrant
The pulsation of your soul
And in the silence of your eyes
The emanated groan

And in the sozzled nights
Among broken bottles
And bitter words
I stole you the shackles

And you followed the shortcuts
That trailed my steps
Courting your shadow
To my enchanted garden

And in your voracious rendition
Through the wild tenderness
You tore my skin
In holy lust

In your cold
I burn me up
In your denial
I assert myself
In the poetry of your kiss
I'm fully unclothed
In your name
I call me
In your bed
I bathe me

With the purity of laziness
I claim the right to contemplate you
While day and night take turns
And the world translates
While the useless traffic whisper
Gives rhythm to our precious silence
While my triumphant cigarrette burns
I, from my rotten balcony
After sucking all your honey
Reveal to myself
That the sky is green

And I had reached it
But I am a fallen angel
'Cause from the epic chimeras
There is always someone who leaves

Tuesday, February 10, 2015

A Mutilação (Haikai)

Regozijo. Auge do delírio.
Água fria; resgate dos sentidos
Na sobriedade eu me auto-mutilo.

O Rescaldo (Haikai)

Dia. Suspira nostalgia,
Tempo hiberne. Vento
Sopra-me maresia.

Uma Breve Eternidade

O que fazer destes poemas
E destas páginas rasgadas
E dos épicos epílogos
Desta obra inacabada?

E as canções que desafinam
Com os nós na garganta
E os acordes dissonantes
Que a minha mão já não alcança?

E a aflição das incertezas
Nas forasteiras madrugadas
E o alívio imediato
De quando, enfim, te entregavas?

E esta cidade ao avesso,
Será, então, desvirada?
E as inconsequências
Já não terão alvorada?

E os mistérios das ruas
Serão, então, revelados
Quando a tua presença
Já não espreitar de nenhum lado?

E todos aqueles cantos
Onde o teu mel eu bebi
Serão apenas guardiões
De nostalgia sem fim?

E a tua memória
Nesta cidade tão tua
Perseguir-me-á
Implacável por cada rua?

O que dirá o futuro
quando fores "só uma lembrança"
E eu andar pela Baixa
À procura da tua esperança?

O meu coração que é teu
Desprovido de razão
Sabe que inútil é o talento
Quando não há inspiração

Por isto a tua partida
Em virtude me empobrece
E a magnitude é só tua
Porque nada de ti se esquece

E do caos que é o teu mundo
Que ao menos possas entender:
No meu coração um dia entraste
Para mais forte ele bater.

O Espectro

A robustez da tua ausente presença,
Tão convidativa à loucura,
Tão amarga e tão criativa.
Esta cidade tão pequena para nós dois
Sugere a surpresa inoportuna,
Atrai-nos um ao outro
Por essas ruas deslizantes e apelativas.
A tua iminência sopra-me nos ouvidos
Como uma brisa mensageira,
Como o suspiro do perigo
Ou como a sorte retumbante.
Nem o inquieto manancial que nos separa
Resgata trégua da inevitabilidade,
E não oferece obstáculo
Ao teu vício de invadir-me território
E penetrar-me a temperança.
Estás na silhueta ao relento,
Nos caracóis deambulantes,
Nos passos desajustados.
Estás nas vestes banais,
Na portugalidade,
Na pronúncia do Norte.
Estás nas ruelas,
Nas calçadas vomitadas,
Nos largos escuros,
No trânsito ruidoso.
Estás nos vultos dançantes,
Nos passos cambaleantes,
Nas gargalhadas estridentes.
Estás nos casais que me atormentam,
Nas aventuras noturnas,
Em cada rosto que me encara.
Estás no meu medo,
Na minha aflição,
Na ansiedade que corrói,
Na eterna insônia.
Estás em todo o lado
E em lado nenhum.

Arte Viva

És a mais bela obra
Esculpida pela maestria da Mãe Natureza,
Modelada aos moldes da tua imperfeição
Que é tão perfeita!
Terias sido a inspiração vitruviana de Da Vinci
E és a minha inspiração poética por excelência.
E esta inspiração é uma concessão
Para tocar-te,
Como se fosses um diamante bruto
Perdido em terra apodrecida
E maculado por mãos de sujos garimpos,
E lapidar-te por dentro,
Neste teu caos visceral,
E transformar-te na tua própria garimpeira
Até que te apercebas da raridade que és
E do valor que tens para este simples andarilho
Que vê nos teus quilates
O peso bruto do afeto.
Nos teus passos tortos e cambaleantes
Está o ritmo da minha harmonia palpitante
Na tua expressão infantil está a pureza
De uma megera que fere sem se armar,
Nos teus cabelos vagabundos
Estão as curvas da perdição
Neste caminho que sigo em tua busca,
Na tua voz está o pirógrafo que me incendeia,
Na tua ausência está a poesia que me corrói
E no teu nome está a assinatura
Da única expressão artística
Exposta no museu do meu coração.

Arquitetura do Amor

O que faremos deste edifício que chega às nuvens
Mas que agora só oferece entrada para o inferno?
O que faremos desta estrutura megalómana
Edificada pela embriaguez, pelo desespero,
Pelos exageros inevitáveis
E pela cumplicidade mais pura?
Que nos condene Afrodite
Pelo pecado de não residirmos barricados
Contra o mundo
Dentro desta nossa construção tão dispendiosa
Erguida num verão úmido,
Posta à prova num outono labiríntico
E abandonada no rescaldo de um inverno
Como todos os outros.
Quem a habitará,
Agora que fugiste
Para seres um sem-abrigo
À mercê da tua própria chuva de inconsequência?
Sozinho não caibo num espaço que é de dois!
Quem, neste mundo, ainda terá a coragem
De habitar o amor?
De construí-lo! Tijolo a tijolo!
Mesmo levando, quiças, fortuitas tijoladas.
Quem se abrigará no amor alheio?
Que ao menos se inspirem nas nossas ruínas
Antes que elas desmoronem
Após uma das nossas tempestades
Ou se perca debaixo de uma avalanche
Deste mundo frio.
Mas o mais provável é que ela seja devorada,
Da base ao teto,
Pelo tempo.
E apodreça carcomida pela flora
Das sucessivas primaveras.
E, talvez, num verão ensolarado,
O acaso nos confronte,
E com o amor já sepultado
Sob as ruínas desta nossa obra
Talvez possamos iniciar outra,
Menos pesada e mais flutuante,
Ou simplesmente deixar a chuva cair
Sobre nossas cabeças
Sem nos abrigarmos,
Até que a enxurrada nos escorra para algum lado.

O Relento

Veio, molhou e abrandou, a chuva:
Um espelho, no chão, formado.
De postes luzes atiram-se, em raios,
E colorem vidros embaçados.

Os trilhos do trem que não passa
São lâminas encandecidas,
E no banco molhado da praça
Recolho-me à dormida.

A garoa que me acomete, sutil,
E que a minha alma lava,
São lágrimas acumuladas;
Sorrio e dou-lhe a cara.

Na frescura da manhã eu colho
Cada porção de primavera
Que soprou a calada da noite
E trouxe o cheiro de terra.