Thursday, September 11, 2014

Entre Rio e Mar

Livres do ruído
E das luzes da cidade,
Das confusões,
Das impermeabilidades.
Nossos pés desbravantes
Merecem a suavidade
Da fria areia,
Porque esta noite
É A Noite!
Não é mais uma distração;
Não é algazarra sem razão.
Isto é a eternidade
Passando pelos nossos olhos,
Queimando na fogueira
Junto aos granitos aflorados
E caprichosamente ilhados.
Esta é a noite
Pela qual esperávamos;
É o último andar
De uma construção sem fim.
Porque o tempo que corre
E não perdoa
Fará cinzas disto tudo
Quando acabar a lenha
Mas não passar o fumo
Enclausurado
Nas nossas mentes inconsoladas.
E esta noite,
Que dia começou
E dia acabará,
É a chegada de uma corrida ao contrário
No avesso mundo nosso,
Encaixada neste paleovale wurmiano
- válvula que regula rio e mar.
Amansam as ondas
Nossos corpos nus,
Porque inúteis são as vestes
E quaisquer superficialidades
Que não a nossa própria pele
Salgada e coberta
Pelo manto arenoso que se agarra
Nos nossos reboliços
Encalhados nesta margem
Irregular e flutuante
Da praia
E da lucidez.
Porque esta não é uma água qualquer;
É a água desta noite,
Que não é uma noite qualquer;
É a noite das noites,
Que também não foram noites quaisquer;
Foram as nossas noites!
Que tanto devoramos
Porque nos aventuramos
E desafiamos
E fugimos da frivolidade,
Das ofertas de bagatela,
Dos lugares-comuns.
Porque a aventura de viver
É medida por estes momentos
Singelos e colossais.
E descomunais!
Tanto que ali,
Depois da próxima curva do relógio
- Que eu já consigo ver
Por tão bem da nostalgia saber -,
Espremerão o peito
E derramarão lágrimas
No simples gesto de recordar,
E querer voltar,
E realizar
Cada ideia louca,
Cada lapso alucinante
E os impulsos delirantes.
Esta é a noite de todas as razões
Emergidas no desejo
De descascar-se de casulos.
E enquanto o fogo queima os espólios da praia
Como se dançasse as nossas cantigas,
Nós acalmamos as ondas frias
Com nossos corpos quentes desroupados,
Porque tão bem eu não te conheço
Para evitar esta cumplicidade
Tão libertina
Como a ousadia
Que se eleva no suspense
E nas insinuações apimentadas,
E tão inocente
Como o teu quer-mas-não-quer,
Como a tua voz exclamada
Ao mirar-me ao natural
Enquanto eu te dispo;
De roupas!
E de embaraço!
E de amarras!
E bailamos sobre o manto silícico,
Porque esta é a noite
Das perenes pegadas
Que o vaivém das ondas
Não desfaz nem apaga
E que o martelo do tempo
Na parede da nossa memória
Martela e crava.

Wednesday, September 10, 2014

A Cave Encantada

No vale dos rabelos,
Nas fundações caprichosas,
Paira-nos a derrocada
De irregulares encostas.

Sob nuvens viageiras
Que aveludam o céu
Na cidade distraída
Por ecrãs verdes ao léu.

Pelas vidraças destroçadas
Eis o quase talvegue
De brilhos tão radiantes
Mas hábitos alienantes.

E no escuro velho galpão,
Protetor da história
- Enólogo guardião
Que engarrafa a memória -,

Não só velas fazem luz
Nas festivas comunhões,
Há também a que produz
A áurea dos próprios foliões;

Libertadores de recantos
Esquecidos pelo mundo;
Condenados aos desencantos
Que deles fazem casas de chuto.

Mas nas poucas eternas horas
A música desencaixota
E o vinho desengarrafa
E em vida fica a cave envolta.

E quando numa ébria noite
A nostalgia latejar
E eu não mais sentir a música,
E a luz da ponte se apagar,

Ocuparei a margem norte
Do célebre manancial
E sorrirei a mais um lote
De onde emanou a Bella Ciao.

Wednesday, September 3, 2014

Flor Morta

É inócuo tudo o que é dito perante a empatia.
São palavras ocas que desfiam;
São vazias.
Elas podem aquecer
Apenas como a fogueira que finda na brasa
Por não resistir ao sopro rigoroso
Do inverno da alma.
Esquece as palavras!
Olha-te quem és nem que seja pelos meus olhos.
Não preciso chamar simpatia
Ao sorriso que em ti brilha;
Nem humildade
À forma como à própria escalada reages;
Nem loucura aos teus ímpetos
Que são tão desesperadamente meus
Que nem imaginas, nem imaginas...
E a cada nova porta que abres
Não preciso chamar curiosidade;
No mel da tua doçura não preciso lambuzar-me
Para provar o conforto da tua simplicidade.
Não preciso aprender outras línguas
Para chamar-te cosmopolita.
Nenhuma palavra te descodifica,
Porque está tudo gravurado na tua essência,
Sem que seja preciso um espelho
Para mostrar-te a tua beleza.
Não preciso atiçar-te no apagar das luzes
Para sentir a tua paixão
Em ebulição:
O clamor pela vida que te rubra.
Faço-o pela vontade egoísta de contagiar-me
E entorpecer-me de ti.
Não preciso ser maquiavélico para chamar-te inocente:
Inocência num mundo de culpados
É o estandarte da coragem.
Mas não são virtudes as palavras elogiosas
Na rima dos versos ou na cadência das prosas
Se eu não as assumo minhas
Para que possas olhar-me nos olhos
E, simplesmente, proteger o silêncio.
É como uma flor morta,
Que ainda assim transborda vida
E diz mais do que mil palavras escritas.