Saturday, June 27, 2020

Humano

E agora, humano?
A si se revelou,
o escuro pairou.
Sozinho, sumiu.
No frio acanhou.
E agora, humano?
E agora, nós?
Nós que somos sem nome,
que rimos obtusos,
e nas lides mundanas
só nos desinfetamos?
E agora, humano?

Estamos a sós.
O discurso engasgou.
Sem toque, sem Mimo.
Já sem socializar,
já sem corpos brindar.
Tossir já não pode.
Mais um dia passou
sem nunca ter vindo.
A fatura já veio
e já não pode pagar.
Veio a distopia,
que mal começou.
E a vida fugiu
e o mofo estampou.
E agora, humano?

Suas vagas palavras,
seu medo da febre,
sua ansiedade
e sua Internet.
Seu ego ferido,
seu telhado de vidro,
sua vã existência.
E o ódio agora?

Com a chave na porta,
não a quer na mão.
Sair não existe;
morrer pelo ar,
o ar já se espalhou.
Quer voltar a uma vida
que já não há mais.
Humano, e agora?

Se você andasse,
se você escrevesse,
se você brotasse
e o vício esmorecesse.
Se não só dormisse,
ou se descansasse.
Se você vivesse…
mas você não vive.
Você é frágil, humano!

Aflito e sem rumo,
em concreto ilhado.
Sem teleologia,
só parede fria para desesperar.
Sem o próprio tempo
que traga o presente,
você quer voltar, humano!
Humano, para onde?

(Adaptação de "José", de Carlos Drummond de Andrade)