Wednesday, January 25, 2017

463 tons de cinza

Cidade que me pariu,
mas que nunca me exauriu. 
A maior do hemisfério; 
seu tamanho é deletério.
A cidade da garoa
e do submundo.
Centro da alta finança,
calvário do sujismundo.
Produto urbano
do desenvolvimentismo.
Antítese do humanismo.
Engrenagem por excelência
da santíssima trindade
do delírio mercadológico:
Trabalho, Consumo e Produtividade.
A cidade que não pára
e que não dorme.
A cidade supersônica.
A cidade que implode.
De uma velha vanguarda
tão tacanha e anacrônica.
A cidade concreta:
tão líquida.
A cidade discreta
que se auto-decreta.
Urbe brutal
que impiedosamente esmaga,
hospedeira dos parasitas da alta nata. 

Motor de um modelo falido,
esconderijo de subversivos.
Os negócios nefastos,
a arte rebelde:
capital da ação
e da reação.
Cidade de tantos mundos
e de tantos muros:
painéis de cimento subvertidos
que reluzem vida
em cores grafitadas.
Murais desalmados
por prefeitos engomados.
A cidade do chauvinismo
e da diversidade.
A cidade de contrastes,
a cidade da vaidade.
A selva de concreto, 
do homem primata
do capitalismo selvagem.
A cidade dos guetos sociais,
dos nichos culturais,
das tribos urbanas,
das mentes profanas.
Do sonho mundano,
de beltrano e cicrano.
A cidade acinzentada
pelo capricho de barões
que não sentem sua vivência
mas esbanjam seus brasões.
O cinzento de muralhas
tão elucidativo:
o funcionalismo de uma urbe
que é o seu paliativo.
Funcionários funcionais:
a caducidade da vida
em rotinas tão banais
que são zona de conforto
desse vício tão mordaz
de viver numa cidade
que combate o que apraz.
Santa produtividade
que nunca é assaz
na religião das catedrais,
do mercado voraz. 

São Paulo, que é meu berço,
também é minha maldição:
imponente e venenosa,
se ergue em contradição.
É o antídoto do veneno
do seu próprio ferrão.
São Paulo que se rebela,
mas que sempre passa a vez;
gigante que é presa fácil
quando reina a pequenez.
Província megalópole;
provincianos megalómanos.
Estirpe urbana tacanha;
tanta gíria e pouca manha.

Decerto que pariu
filho que lhe preteriu:
não sou herdeiro,
não quero o seu trono.
Vendida que está
a infames patronos,
da tua decadência
não me desmorono.