Sunday, April 20, 2014

O Vinho Derramado

Soa o fado
Nos Caldeireiros
Na penumbra, no esgoto
Repentes dramáticos
Anunciam o desgosto
O amor, sempre ele,
Carrasco de corações
Recitado como orações
De súplica, de pesar
Em linguajar popular
O fado soa e faz suar
E o sangue a jorrar
E no chão a espalhar
O patriota, a esvaziar
Se desfaz em cacos
De vidro é o facho
Por um punho tombado
Enervado com o fado
Enfadado, atiçado
De Alfama à Ribeira
Sem métrica, à maneira
Soa a voz que lamenta
Com guitarras que choram
E violeiros que imploram
E a gente dos tascos
De ruelas escuras
E turistas perdidos
E estudantes falidos
E velhos olhares
Tradição em trajes
Gentrificados
E jorra o sangue
Do fascista em cacos
O patriota desfeito
Em seus mil pedaços
Porque o fado é o canto
Do amor lamentado
Do coração partido
Do povo explorado
Do obreiro oprimido
No escuro do tasco
Soa o fado
Morre o facho
Apunhalado
Pela poesia
Dos vagabundos
Dos loucos que pensam
Das ruas que exalam
O odor do passado
E escondem o futuro
Em mentes que versam
O novo mundo
Soa o fado
Morre o facho
Cantigas em versos
Revoltas em prosa
Penumbra e mofo
O vinho na mesa
De um chão que não pisa
A trupe burguesa
Arrasta-se ao esgoto
O facho, já morto
Por baixo da mesa
O sangue espreita
E o fado a soar
No rescaldo do bar
De um bairro popular.


Nota: Um bar com concerto de Fado no centro histórico do Porto, uma garrafa de vinho cai, acidentalmente, ao chão. Dá nisso.

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